Forças em conflito

Somos essencialmente uma força desejante. Temos impulsos naturais com inclinações para o prazer, para o belo e para o que é bom.  Esta força desejante é a força da vida. O que impulsiona um ser vivo a seguir vivendo, a se alimentar, reproduzir, e a zelar pela sua própria existência.

Mas quando duas forças essencialmente desejantes se encontram, dois indivíduos que desejam o mesmo objeto que vai lhe proporcionar o que é bom, prazeroso e belo eles vão disputar até a aniquilação do outro.

Você vê isso naqueles canais de documentarios da natureza – um leão solitário pode estar caçando sozinho, encontra uma presa, se prepara para atacar esta presa e então percebe que há outros leões que também desejam a mesma presa, e que inclusive estão dispostos a eliminar os concorrentes. O leão solitário não tem a menor chance, ou ele desiste da caçada ou, provavelmente, será morto pelo bando rival. Há uma emoção primária que faz este leão desistir e recuar, e esta emoção é o medo.

O bando, o grupo, foi uma estratégia da natureza para este problema do encontro entre forças desejantes, para o conflito entre os desejos, para a colaboração entre indivíduos, para a superação do medo, para a sobrevivência.

Há, portanto, um instinto poderoso, arquetípico, um desejo inato, de pertencer a um grupo e um MEDO poderoso inato de deixar um grupo, da solidão – estar sozinho representa atenção redobrada, medo.

O medo da morte

O medo da exclusão deriva do que Ernest Becker chamou, no premiado livro – A negação da morte, de o medo original. Pra Becker, todos os medos, derivam do medo da morte, ou seja da preservação da vida, do instinto de sobrevivência. Medo de acidentes, medo de violência, medo de críticas, medo de palhaço…  para Becker,  todos estes medos, no fundo, no fundo, derivam do medo original – o medo da morte.

Na natureza o medo da morte é uma estratégia de sobrevivência que, inclusive, motiva a vida em bando, em grupo.

Nossa família – pais e irmãos, são o nosso primeiro bando, nosso primeiro grupo. E somo preparados por este grupo para enfrentar os desafios da vida, mesmo antes do nosso nascimento.

Desde a nossa concepção até o nosso nascimento, estamos intimamente conectados aos estados emocionais da nossa mãe. E nossa mãe está sob influência direta do ambiente em que vive.

Se a mãe sente constantemente medo, ansiedade, insegurança… para o organismo desta pessoa, o ambiente em que ela vive é um ambiente perigoso, hostil.

O filho, ainda no ventre, será então programado biologicamente para ser mais reativo – mais atento aos perigos, para ser mais cuidadoso, para se proteger mais do ambiente externo. Terá um impulso natural de proteção – terá uma sensibilidade maior para o sentimento de medo.

São dois princípios fundamentais da vida – proteção e crescimento, relacionamos o instinto de proteção com os sentimentos de medo, insegurança, auto-preservação e relacionamos o instinto de crescimento com os sentimentos de coragem, segurança, expansão.

Proteção e Crescimento

A mãe que experimenta uma gravidez tranquila, segura, produzirá hormônios que programarão este bebê para o impulso de crescimento – terá um impulso maior para ir para o mundo, desbravar, comunicar, confrontar. Impulso de crescimento.

A força essencialmente desejante que somos, passa então por este filtro – pessoas com impulso de proteção vão fechar mais o fluxo dessa força desejante, terão uma tendência maior a temer o desconhecido, a evitar o risco, evitar o confronto.

Pessoas com impulso de crescimento, dão mais vazão para esta força desejante, buscarão expansão, contato, confronto.

O filósofo Schopenhauer chamava este impulso de crescimento de VONTADE.

Para este pensador, a vontade é uma força cega, que busca crescimento pelo crescimento, e que se manifesta em tudo o que vive. Tudo o que vive quer crescer, desenvolver, consumir…  a vontade é uma força que se auto-devora, pois se manifesta em tudo o que vive, então ela cresce na forma de pasto e também cresce na forma de boi e o boi se alimenta do pasto para seguir crescendo e alimentar o homem que também é manifestação dessa mesma força natural de crescimento, a VONTADE.

Nietsche, partiu do pensamento de Schopenhauer para criar sua “vontade de potência”.  Esta vontade de potência se manifesta nos humanos, mas é também, de certa forma controlada, regulada.

Podemos dar mais vazão á esta vontade ou menos vazão pra esta vontade. Na linguagem de Nietszche – ter ganho de potência ou perda de potência.

Vontade de Potência - Nietzsche
Vontade de Potência – Nietzsche

Fazendo um paralelo com o conceito de Nietsche, aquelas pessoas com instinto de proteção, terão a tendência de fechar mais a vazão da vontade, manifestarão menos potência desta vontade.

As pessoas com instinto de crescimento darão mais vazão para a vontade, mais vontade de potência.

O medo, portanto, funciona como um limitador, para a manifestação desta vontade de potência em nós.

Freud, o criador da psicanálise, desenvolveu um conceito semelhante quando fala de Pulsão. As pulsões também são forças profundas, motivadoras e que também pode ser reprimidas ou manifestas.

Então, se por um lado temos um medo inato de não pertencer, o medo da solidão, e o medo dos perigos, que são todos, no fundo, derivados do medo da morte,

por outro lado temos um medo da manifestação desta FORÇA DESEJANTE – A VONTADE, AS PULSÕES, A ENERGIA DA VIDA, em sua total plenitude – o medo deste impulso de crescimento, um medo da VIDA.

A vida é um fluxo em direção ao desconhecido, ás infinitas possibilidades, ao caótico.

Como seria se você conseguisse se jogar neste desconhecido, dando plena vazão a esta vontade interior de viver, sem filtros, sem medos, sem censuras, sem controle, sem leis, sem nenhum limite? Sendo tudo o que é possível ser?

Como seria uma sociedade de pessoas assim, absolutamente livres para manifestar e lutar pela satisfação imediata de todos os seus desejos e vontades?

Seria o mais absoluto caos.

E a natureza nos deu um limitador natural que é a dor – para regular até onde você pode ir.

– A partir daqui você vai sentir muita dor… muito sofrimento…  físico e emocional…

Então, naturalmente já limitamos esta força desejante, esta vontade, se tentarmos manifestar ela em toda a sua plenitude, dar vazão máxima, inevitavelmente vamos chegar ao confronto, a um ponto limite de dor e sofrimento, o maximo que nossos corpos são capazes de suportar.

O medo da vida

Então já existe um limite natural – o limita da dor, do sofrimento.

E nós, como grupo, inventamos outras limitações:

Inventamos leis, sociedade, estrutura, hierarquia, moral, punição…

Estas coisas não surgiram por acaso, nem tampouco foram planejadas por arquitetos do mal.

Foram soluções que a própria humanidade desenvolveu e aperfeiçoou ao longo dos séculos para limitar a manifestação dessa força desejante nas pessoas, permitindo a convivência pacífica e afastando os perigos dos nossos medos mais instintivos…  inclusive o medo da dor, do sofrimento… (Hobbes)

Temos portanto o medo dos outros, do grupo, de transgredir as regras, de sermos banidos, excluídos, julgados ou castigados.

Uma programação que começa quando ainda  somos bebês, no confronto com as primeiras outras pessoas das nossas vidas que são nossos pais e nossos cuidadores.

Aos poucos nossos cuidadores vão nos ensinando a limitar o fluxo da vida, da vontade de potência, que flui através de nós.

Vamos aprendendo o que é perigoso, o que é certo, e o que é errado, o que é adequado e inadequado, o que é imoral, o que não é saudável. Vamos reprimindo partes da nossa força original.

E ao longo da vida vamos conhecendo outras formas, cada vez mais sofisticadas, de seguir limitando ainda mais este fluxo.

Vamos encontrando, inclusive, situações de conflito, de dor, de sofrimento que vão acionar aquele medo instintivo – medo de não ser aceito, de não ser amado, de não pertencer ao grupo, medo de morrer, medo da dor – e a nossa mente criará então alertas para que você evite a todo custo situações como estas novamente – alertas carregados de medo e pavor. É assim que surgem a maioria das fobias e dos medos irracionais.

São os traumas que continuam como ciclos em aberto, muitas vezes esquecidos, mas que atuam todas as vezes que situações semelhantes se repetem nas nossas vidas. De repente, aparece aquele medo imenso… limitando a sua vida.

Portanto, assim como temos o medo da morte, temos o medo da VIDA, de manifestar nosso potencial, medo de deixar a energia da vida fluir com plenitude porque isso implica em transgressão, conflito, enfrentamento, sentimento de culpa, de risco, de enfrentar o desconhecido, de violar aquilo que aprendemos que é impróprio, inadequado, proibido, de enfrentar nossos traumas… medo de crescer.

Alguém que lá atrás já nasceu programado com aquele impulso natural de proteção, vai ter ainda mais deste medo da vida, de viver.

E o que nasceu com instindo de crescimento vai ter que se conformar em limitar sua energia vital, em limitar seu potencial, pois além das leis, da moral, das normas, haverá um enorme cardápio de outros medos para lhe segurar – medo do aquecimento global, do cancelamento, dos ácaros do tapete, dos comunistas, dos extremistas, do terrorismo, da crise, dos vírus, dos haters…

Quanto mais potente uma pessoa for, quanto mais permitir que a força desejante, a vontade, a luz interior, a energia vital se manifeste nele, mais ele será alvo da reação, do ódio, dos ataques, da sabotagem, da fiscalização, dos ressentidos…   do sentimento que o impotente tem de querer destruir aquilo que ele não consegue ser.

E por isso mesmo, temos tanto medo dos outros, do julgamento, do olhar atento dos críticos.

É por isso mesmo que temos tanto medo da VIDA quanto temos da morte.

E você me pergunta:

Mas como posso então superar meus medos e me permitir viver com mais intensidade?

E é esta a pergunta que responderemos ao longo do vídeo. Confira!

Referências que embasam o conteúdo do vídeo :

Alterations in amygdala–prefrontal circuits in infants exposed to prenatal maternal depression https://www.nature.com/articles/tp2016146

In utero cortisol and testosterone exposure and fear reactivity in infancy https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0018506X09002839

The Moderating Role of Resilience Resources and Sense of Belonging to the School Among Children and Adolescents in Continuous Traumatic Stress Situations https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0272431618812719

O bebê do amanhã: Um novo paradigma para a criação dos filhos Thomas Verny

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Assim falou Zaratustra Friedrich Nietzsche

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O mundo como vontade e como representação Arthur Schopenhauer

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Diouglas Hoppe

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